quarta-feira, 4 de março de 2020

Da minha primeira vez numa prisão

Tive de ir a um estabelecimento prisional na zona de Lisboa para falar com alguns reclusos sobre direitos LGBTI.
Nunca entrei numa prisão. Levava todos os medos e preconceitos do Mundo, no peito.
A chefia que nos recebeu achou por bem dizer "Entrem tranquilas! Este polo é sossegado. É onde estão os agressores sexuais". Ok... Não sei na cabeça de quem é que dizer-nos isto tem efeito calmante...
Não sabiamos ao que iamos. Eramos 3. 
Tudo podia acontecer. As nossas mentes tinham já idealizado mil cenários possiveis. Desde pessoas fragilizadas se desmancharem à nossa frente, até homofóbicos e agressores virem até nós, como sendo a novidade do dia, provocar-nos.
Entramos e damos de cara com o páteo, onde uma mão cheia de machos deixa o seu exercicio e se agarra à rede a ver-nos passar, enquanto lambem os beiços e cochicham entre eles. Foi assustador. 
Lá fomos conduzidas (por guardas pouco menos trogloditas que os reclusos) a uma zona de bar, onde os interessados em conhecer-nos entraram.
6 brasileiros. Um deles trans.
Acompanhou-nos um big boss atento, preocupado claramente, em que os reclusos dissessem mais do que lhes era devido... A cada minuto, guardas entravam na sala com olhar inquiridor...
Apesar da falta de privacidade e sigilo, foi uma conversa incrivel. Triste, emotiva, humana mas tão tocante e inspiradora.
Os 6 reclusos estão todos presos por tráfico de droga; os vulgarmente denominados, "mula". 
Todos vindos de realidades pobres, sem futuro, sem familia, excomungados pela sua orientação ou expressão de género. Metade deles, filhos de pastores evangélicos. 
Todos choraram ao partilhar o seu percurso.
Um deles disse "O sol nasce para todos. O brilho e as purpurinas só para alguns. Mas o meu brilho está a morrer. Ninguém me ajuda a repensar o meu futuro, não me dão um livro para ler, não me ajudam a estudar... aqui só estou a fazer doutoramento no crime. E quando sair? Ninguém me espera, ninguém me apoia, ninguém me ajuda... vou voltar a traficar e prostituir-me".
E foi um aperto no peito não me deixarem abraça-lo, sentir-me impotente, ver que a reintegração é uma lenda urbana e que todos julgam mas poucos se colocam no lugar do outro.
Sai de lá com uma emergencia no peito, sufocante, de que tem de haver alguma forma, alguma ideia, algum projecto para que possa fazer diferente.

3 comentários:

  1. Não entendi... De inicio disseste que estavam numa ala de "agressores sexuais" e depois quem entrevistaste foram traficantes?

    O problema de querer agir é quem está "a cima" de nós. O separar o transgressor das regras sociais, do humano que muita gente não percebe e sendo que o tráfico não é nenhuma condição "patológica" como ser agressor sexual, que na minha opinião é uma questão extremamente à parte. Deveria-se se criar sim projectos a "testar" se tão aptos para viver em sociedade e aí criar-lhe oportunidades, mas isso é um mundo utópico...

    p.s. Em relação a Agressores sexuais, principalmente os de crianças\ adolescentes, deveriam ser acompanhados para o resto da vida, não o desculpando mas também não lhe dar demasiada "liberdade" para que tenham sequer oportunidade de voltar a cometer crimes.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Estes traficantes tinham todos em comum serem pessoas LGBTI. Logo eram mudados de edificio, área, consoante o que lhes fosse mais fácil para avitar exposição, agressões, aproveitamentos, bulling...
      E sim, estou plenamente de acordo... para mim está muito muitooo distante uma coisa de outra: ser traficante por necessidade e abandono parental e do Estado que matar ou violar alguém.
      PS: bom ponto sobre os agressores. De pessoa atenta e humana ;)

      Eliminar