quarta-feira, 2 de maio de 2012

Herança

Vi este pedaço de jornal a circular em vários blogs.
Todos falam do enorme amor que o Miguel Esteves Cardoso transparece pela sua esposa. Mas não é só isso. A mim, este texto parece-me o testemunho de alguém resignado com um poderoso carrasco, a tentar acomodar-se à situação de vítima, de assistente da morte, assimilando que nada há a fazer perante tão manipulador adversário.
Acham que o cancro é mau? Que mata muita gente? Experimentem carregá-lo nas veias.
Sim, porque eu tenho-o como herança genética. Há quem receba casas, belas herdades e uma conta choruda da tia-avó velhota que morreu podre de rica. Mas eu não, a mim calhou-me uma herança especial, uma prenda que passa de geração em geração no sangue.
Felizmente, ainda não me aconteceu nada. Mas existem fortes probabilidades de um dia ter uma amarga surpresa.
A minha família pertence a uma área de estudo do IPO, designada de “Famílias de Risco”. Basicamente, consiste em estudar geneticamente famílias que apresentem aspectos estranhos relacionados com cancro. A minha família materna é um assombro nessa área. As irmãs do meu avô já morreram todas de cancro menos uma. E a que está viva teve cancro duas vezes.
Grande parte das sobrinhas do meu avô também já morreram, jovens, da mesma sina.
Os filhos do meu avô? A minha mãe, felizmente, ainda não teve nada. Mas a sua irmã mais velha, minha madrinha, teve cancro da mama o ano passado. Foi operada, recuperou bem, pensávamos até que já estivesse livre de perigo. Mas o mês passado foi ao médico e descobriram-lhe umas manchas suspeitas no fígado. Recomeçará os exames.
Há 2 anos outro tio, irmão mais novo da minha mãe, com apenas 16 anos, teve também cancro. Algo na zona do pescoço. Esse, incrivelmente, salvou-se.
Netos do meu avô? Até à data, só um recebeu a herança. O meu irmão. Tinha 16 quando lhe foi diagnosticado. Morreu aos 18. Cancro ósseo na anca.
E a cereja no topo do bolo: o IPO desconfia que a minha família gerou uma mutação no gene do cancro e que poderemos ter variedades raras e desconhecidas da doença. Só coisas boas!
A minha família paterna também tem dezenas de casos. Também deveria ser estudada. Mas ninguém se preocupada, são demasiado inconscientes e egoístas para tal. O que faz com que, dessa parte, nem saiba bem o tamanho da herança que carrego.
Eu? Não sou obcecada com o tema, como alguns membros da minha família. Mas também não descuro nem sou desleixada. Faço revisões de 6 em 6 meses às mamas e uma vez ao ano faço o rastreio do colo do útero.
Tenho 7 nódulos no peito. Não me aflige. Por vezes sinto que é uma bomba relógio, que qualquer dia me dirão que degeneraram, que terei de passar por tratamentos horríveis. Mas para já, mantenho a calma, faço os exames de bom grado e mantenho-me vigilante e atenta.
Aliás, estou sempre desejosa que chegue o dia do rastreio. Prefiro saber como está tudo. Dá-me uma falsa sensação de controlo.
Amanhã é dia de mamografia. Wish me luck.

12 comentários:

  1. Bolas! Não deve ser fácil viver com isso!:/ O melhor que fazes é mesmo manter-te sempre vigilante! Assim, mesmo que aconteça alguma coisa, é detectado rapidamente!

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  2. Boa sorte, Raven. Vais ver que os resultados serão os melhores**

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  3. Boa sorte Raven! Vai correr bem e os resultados vão ser bons!
    E ao ler isto fazes-me lembrar que também preciso fazer o mesmo. Bjs

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  4. Boa sorte querida! Fazes muito bem em estar sempre em cima, não adianta de nada esconder-se dessas coisas e admira-me a frontalidade com que enfrentas as coisas. Beijo grande

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  5. Em forma de cartas, sim! Algumas são emotivas, dramáticas, apaixonadas...outras uma pura comédia! E outras ainda contam vivamente o que é viver durante a ocupação alemã e durante o pós-guerra (como estudaste história talvez gostes, eu adoro história também e esse foi um dos motivos por que adorei o livro!). Na Bertrand custou-me apenas 7,50€, e penso que o preço se mantém! :)

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  6. Geri: Não te descuides. Vê isso.

    Sedas: Tenho um tio que acha que "quem procura encontra" e foge de exames. Não quero ser assim. Se existe uma realidade, há que lidar com ela.

    Jude: já tinha visto o preço. Esse livro é das edições BIIS que só tem livros baratos. E ainda bem!

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  7. Eu acho que fazes muito bem, com essas coisas há que se andar vigilante, até porque está mais que provado que quanto mais cedo encontrado maior a possibilidade de cura...
    Eu tenho alguns casos na família, mas felizmente são poucos.

    Raven, tu és um mulherão pah!

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  8. Que herança das pesadas rapariga! Mas é bom que tenhas à vontade em falar sobre o assunto e que, acima de tudo,te mantenhas sempre vigilante, não deixando de viver e lutar acima de todos esses "percalços" que têm surgido na tua vida! ;)

    Warrior!

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  9. Lamento muito. Felizmente na minha família não existe essa herança... mas imagino o peso de saber que a probabilidade é maior... :(

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  10. Eu também tenho diversos casos de cancro na família, cada vez que vou ao médico me dizem que tenho que ter cuidado... Mas pronto, pensamento positivo :)

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  11. Perdi uma grande amiga para essa doença e tenho a pessoa que amo com ela também...apesar de separados, não há dia que não pensena possibilidade de o perder também.

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