2010. Foi o último ano
em que falei com o meu Pai.
Eu fui um percalço na
vida dele. Ele era aventureiro, gostava de viajar. Suponho que herdei tudo isto
dele. Mas o inesperado surgiu. Uma irresponsabilidade. Engravidou uma das
várias namoradas que tinha e foi obrigado a casar. Meses depois nasci eu. A minha
mãe tinha 19 anos e ele 25. Dois anos depois nasceu o filho com Trissomia 21
que ele nunca aceitou. Como não queria ser pai, muito menos de uma criança
diferente, maltratava-nos. Sofremos de violência psicológica durante largos
anos. A visão dele era completamente disforme. Ele acreditava que ser Pai era
dar dinheiro, garantir as questões materiais. A esse nível nunca nada nos
faltou e tive o que os meus amigos não tiveram. Dinheiro nunca foi um problema.
Mas e o resto? Amor? Um simples abraço ou um “gosto muito de ti, filha”? Esta
educação teve marcas profundas em mim, hoje em dia sou uma adulta fria com
dificuldade em expressar os sentimentos.
Em 2010, tinha eu 21
anos, achei que finalmente era hora de me ver livre deste tipo. Após mais umas
situações graves e tendo o meu irmão já falecido, cortei relações com o meu pai
e abri mão do dinheiro e pensão que ele me teria que dar. Logicamente, a minha
qualidade de vida mudou muito. Congelei a matricula na Universidade e lancei-me
à vida. Trabalhei como empregada doméstica em Madrid, fiz vários part-times e
lá fui sobrevivendo.
Sinceramente, perder o
dinheiro foi a melhor coisa que me aconteceu. Eu era mimada, parvinha,
arrogante, pisava os outros. Achava-me melhor, mesmo não passando de um coração
gélido que só tinha uma boa conta bancária. Tornei-me melhor pessoa longe do
meu Pai, do seu dinheiro e daquele padrão doente e violento que ele gerou.
Só não contava que ele
surgisse agora na minha vida.
Na quarta-feira
passada, faz hoje 1 semana exactamente, ele convidou-me para jantar. Fiquei
muito surpreendida e nervosa! Sempre o considerei uma reencarnação do demónio,
o maior balde de merda à face da terra. Que quereria ele comigo? Aceitei, com
os dois pés atrás e muita ansiedade.
Quando chegamos ao
restaurante e nos olhámos, achei tudo tão estranho e ridículo que tive um
ataque de riso. Uma estupidez, eu sei. E lá iniciamos a conversa… Eu acusei-o
de tudo, relembrei o passado doloroso, ataquei logo. E pela primeira vez na
vida, deixando-me surpresa, ele admitiu todas as agressões, as ameaças, os maus
tratos, a porcaria de Pai que foi. Pediu perdão e diz-se muito arrependido.
Pediu-me, implorando até, para que lhe desse a oportunidade de termos uma
relação, ainda que sabendo não a merecer. Fiquei confusa… nunca tivemos uma
ligação por mais mínima que fosse. Nunca o vi como Pai. Não tenho sentimentos
por ele. Se me tornei numa mulher sem a ajuda e companheirismo dele, não há-de
ser certamente agora que precisarei de uma figura paternal. Mas algo me deu
pena e, seguindo o meu coração e acreditando que todos podemos mudar, decidi
dar-lhe uma chance. Muito desconfortável, desconfiada mas dei-lhe uma
oportunidade.
Já lá vai uma semana e
não posso dizer que esteja a correr mal. No Domingo até me convidou para
almoçar com ele e o meu avô e foi bastante agradável. Conversamos e rimos como
nunca aconteceu em 25 anos.
Na segunda-feira
tomamos o pequeno almoço juntos e hoje almoçamos. Creio que esta estranha e
repentina mudança se possa dever a um novo amor. O meu Pai saiu de casa
oficialmente na altura que começou a namorar uma brasileira prostituta. Ela
andava à caça de algo seguro e ele caiu. Tirou-a do bordel e lá foram viver
juntos. Essa “senhora” é de muito baixo nível, peixeira, provocou durante muito
tempo a minha mãe sempre que a via. Mas agora, parece que o meu Pai entendeu a
porcaria onde se meteu e conheceu uma senhora de outra cidade, viúva e que,
pelo menos, parece decente, correcta, pacata. Está a tentar ver-se livre da
brasileira que se recusa a sair de casa, casa que é dele, e quer iniciar uma
relação com esta outra senhora. Talvez tenha sido ela a meter-lhe algum juízo e
a fazê-lo entender que deveria cuidar da filha, a única que lhe resta. Seja
como for, ele está interessado em mim, pelas coisas que faço, que gosto, pela
primeira vez desde que nasci. Pergunta pelo Eros, quer saber da Associação Animal,
questiona-me sobre o Reiki, quis até levar-me a um psicólogo porque me nota
muito em baixo e fala-me de relações e do João. Nunca ele mostrou qualquer tipo
de afecto ou sensibilidade e para mim tudo isto é novidade. No outro dia
ligou-me e disse “Estou? Ravenzinha? Filhota?”. Comecei logo a rir, olhos
esbugalhados, porque esta, sendo a linguagem natural de um pai para uma filha,
nunca me foi dita.
Estou muito
impressionada com este novo Pai mas começo a ganhar alguma confiança na sua
mudança. Espero não me espalhar ao comprido.