quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Dona Alzira



Desde o início que detesto este trabalho de bater de porta em porta a tentar vender televisão paga.
Mas esta semana atingi o auge!
Bati numa porta e do outro lado surgiu uma senhora de 90 e tantos anos, coluna dobrada pela vida e pelo trabalho, surda.
Tentei explicar-lhe ao que vinha. Não ouviu/entendeu nada. Pediu-me desculpas por ser “tonta”, afirmava que na sua juventude era mais inteligente.
Pediu-me para falar com o marido. Ele certamente compreender-me-ia melhor. Pediu-me que o chamasse no quarto que tantos anos fora dos dois.
Entrei na pequena divisão e vi a cama feita, imaculada, sem vestígios de nenhum homem. Reparei então que a Dona Alzira, assim se chamava, estava toda vestida de negro e havia uma foto do seu esposo em cima de uma mesa, rodeada de velas.
“Tu queres ver que a senhora acha que o marido está vivo?”.
Tentei explicar-lhe que o marido não se encontrava presente ao que ela reage, de forma inesperada, dirigindo-se a uma cadeira de baloiço que tinha um casado pendurado, pegando e abanando a dita, enquanto dizia “Alberta!! Fala tu com a menina que eu não a estou a perceber!”.
Fiquei sem reacção.
Lidei o melhor que pude com aquele cenário, despedi-me da Dona Alzira e abandonei o prédio.
Partilhei o episódio com os meus colegas e chefe. Este último apenas soube dizer “Então, e ela e a Alberta não te assinavam contrato?”.
Fiquei enojada! Assinar, assinava! Ela, a cadeira e o falecido esposo. Mas eu é que nunca mais dormiria de consciência tranquila tendo arranjado uma despesa mensal a uma senhora que crê que o seu companheiro ainda se deita na mesma cama que ela.

1 comentário:

  1. Pois...

    Infelizmente a malta que chega a chefia nesses trabalho tem um grande problema...
    Tem uma pedra onde devia ter o coração...

    Tiveste a atitude correcta em não ter insistido mais no contrato...
    Muitos parabéns...

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