…diria, sem falsa
humildade, de forma bem consciente, que vivi experiencias únicas neste quarto
de século.
Nasci com direito a
tudo, numa infância privilegiada, numa vivenda amorosa, num sitio calmo, com
bastante contacto com a natureza. Tive brinquedos a perder de vista, até as
minhas Barbies tinham sanita e cresci livre, subia às árvores para colher
amoras, montava vacas, cavalos. Tive uma ovelha de estimação que ia connosco
visitar os avós, no carro, tal qual um cão.
Tentaram impingir-me o
Catolicismo mas falharam. Lá fiz a primeira comunhão para ver a minha querida
avó feliz e pronto, terminei a minha falsa carreira de amor a Jesus.
Vivi em imensos sítios.
Nunca sei que responder quando me perguntam de onde sou. Tive um irmão com
Trissomia 21 que nos fazia procurar a cada ano um especialista novo, um centro
melhor, uma escola mais indicada.
A única coisa má? O
nosso pai. Pai que tinha vergonha de ter um filho diferente, nunca o tirava de
casa. Pai que acreditava que amor paternal era dar dinheiro, brinquedos. Aos 16
anos ofereceu-me uma mota. Nunca gostei de motas. Primeira voltinha para
experimentar, cai. Esfolei-me toda, rasguei as calças e o meu pai correu para
ver se a mota estava bem. Ao fim de 3 meses de equitação cai e, pelo stress e
trauma do momento, as minhas vértebras prenderam, estive uns minutos sem
movimento da cintura para baixo, imaginando-me paraplégica a uma semana dos
meus 18 anos. O meu pai lá veio e levou-me ao hospital sempre reclamando do
tempo que estava a perder com aquela ida às Urgências. Como marido era ainda
pior, humilhava, ofendia, mal tratava.
Eu era tão tímida,
reservada. Um bichinho anti-social. A adolescência despertou-me. Tornei-me, não
sei ainda hoje como ou porquê, faladora, comunicativa e muito expressiva. Mas
sempre com muito carácter, nunca fui influenciável, nunca fumei, nunca
experimentei drogas e não bebo. Sinto-me bem assim.
Aos 17 surgiu a minha
primeira viagem sozinha. E ficou o bichinho dentro de mim.
O futuro? Nunca me
imaginei a nºao ir para a Universidade. Desde criança que sabia bem o que
queria e qual a profissão. Aos 18 lá fui. Decorria o ano de 2007. E aí tudo
mudou. A rapariga mimada, cheia de tudos, de certezas, dinheiro, segurança
viu-se obrigada a crescer e optar.
O meu irmão morreu, o
meu pai arranjou outra mulher e decidiu fingir que eu não existia. Tive de
trabalhar para pagar os estudos. A Universidade deixou de fazer sentido, o
curso desmotivou-me. Algo me dizia que eu não precisava de um curso para nada,
que o meu rumo seria diferente, aventurar-me na Vida, perder-me para encontrar
algo. Congelei a matricula e fui ver o que me reservava a Vida.
Trabalhei um verão
inteiro como empregada doméstica na casa de uma Princesa espanhola em Madrid,
fiz vários trabalhos e organizei eventos em Marbella e Mérida. Viajei muito.
Fiz amigos novos e inesperados. Voltei ao Alentejo, a casa. O meu pai tirou-nos
a casa e tivemos de nos fazer ao incerto, móveis às costas. Alugamos um T2. Eu
perdida e confusa, a minha mãe rancorosa e cheia de ódio. Agora, 2 anos depois
de termos perdido a casa, volta a acontecer. Eu fico desempregada em Junho e
não poderei mais dividir a renda com a minha Mãe. Resta-nos assumir a situação:
vamos viver num bairro social com frequentes assaltos, numa casa dos anos 70,
abandonada há anos, tecto a cair, que pertence aos meus avós maternos. Para
mim, isto nem é o pior. A parte má é que os meus avós são divorciados mas nunca
trataram das partilhas, logo se a minha avó morre, vem o ex dela (meu avô)
reclamar a casa e ficamos de novo na rua. Falo assim porque não temos nenhuma
ligação com este homem, ele partiu para África quando eu tinha 2 anos,
construiu outra família e não é, de todo, boa pessoa.
Não bastasse tudo isto,
eu que cortei relações com o meu pai em 2010, vejo-me agora com ele em braços.
Parece que sai de debaixo das pedras. Vejo-o muito e ele lembrou-se que tem
filha. Mandou o meu avô levar-me um telemóvel e uma tablet ao meu local de
trabalho em nome dele. Foi à escola de condução em que ando dizer que pagaria
as prestações que faltam. Mandou-me mensagem para o face a dizer que gostaria
de se encontrar comigo. O tipo é o demónio em pessoa. Toda a gente muda,
acredito, mas no caso dele não. Nem sei que lhe diga.
As obras da casa no
bairro social começaram hoje. Estamos a gastar todas as nossas economias. E
para quê? Para que dentro de meia dúzia de anos venha o anormal do meu avô
despejar-nos?
Tenho uma biografia do
caraças mas que começa a ser cansativa.
Como eu te compreendo Raven, aquele sentimento de não termos um suporte se algo correr menos bem amanhã. Viver todos os dias à beira do abismo não é fácil. Infelizmente aquela que outrora foi uma família unida rapidamente se desmoronou e desmoronou também aqueles que dependiam dela, penso nisso quase todos os dias. Com isso aprendi tudo aquilo que uma família não deve ser e se o destino quiser um dia terei a minha família de sonho.
ResponderEliminarMaior força.*
A minha nunca foi unida. Desde que tenho consciencia de mim, que me lembro do meu pai a não querer ser pai e a humilhar a minha mãe. Mas comparto do mesmo sonho que tu. Se algum dia tiver uma familia, quero que seja o oposto da que tive. Mas não desanimes, pessoas como nós tornam-se fortes e com futuros prometedores :)
EliminarAfinal, como diria alguém: Mar calmo nunca fez bom marinheiro.
Beijinho
Tu és uma mulher cheia de força, com um coração de ouro. A vida tem sido madrasta contigo, mas acredito num futuro melhor para ti.
ResponderEliminarSe calhar vou perguntar uma parvoíce (porque ninguém ia lembrar-se disto mas eu): em vez de fazerem obras, não era melhor alugarem uma casa, com as economias que têm e esquecerem essa? Desculpe o atrevimento e nem sequer quero que me responda, mas tocou-me o seu post, porque o senti infeliz, demais.
ResponderEliminarNão é atrevimento nenhum, Maria! Eu abro o meu coração e espero sempre um feedback vosso. Quando o meu Pai nos tirou a casa, usamos umas economias para alugar esta em que estamos. Mas por sorte, arranjamos trabalho, uns contratos precários do centro de emprego, durante este tempo e fomos dividindo a renda entre as duas. Mas agora eu ficarei desempregada no mês que vem e a minha mãe em setembro. Sem eu poder contribuir, serão ainda vários meses em que só a minha mãe carregará tudo às costas com o ordenado mínimo. E vamos tirando daqui e de acolá e as economias vão desaparecendo. E a partir de setembro? Ela tambem fica desempregada. Viver de economias durante tempo indeterminado é muito arriscado. Depois acaba-se o dinheiro e não temos como pagar a renda nem fazer obras. Preferimos já optar pelas obras e rezar para que a minha avó ainda tenha mais uns anos de vida pela frente, sem pensarmos em partilhas. Porque se a minha avó ainda viver uns 5 ano que seja, sempre é mais do que durariam as nossas economias a pagar renda, água, gas, comida... E não tendo que pagar renda, se voltarmos ao mercado de trabalho, podemos voltar a juntar dinheiro para o que aí vem.
EliminarÉs uma grande mulher! E para mulheres como tu, o destino guarda sempre coisas muito boas :)
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