terça-feira, 12 de novembro de 2019

A missão

Sempre acreditei no Destino e na ideia de que todos nascemos com um propósito, uma missão que dá sentido a esta vidinha que não pode ser só ir à escola, ser adulto, trabalhar para pagar contas, casar e ter filhos e observá-los até morrer.
Eu entendi que o meu rumo é Humanitário. Não tenho dúvidas de que aquilo que me move é trabalhar para o bem estar do próximo, para a mudança social.
Como tal, tornei-me Assistente Social. 
E pensava "De certeza que somos (os Assistentes Sociais) todos muito bonzinhos, altruistas. Afinal, isto não dá propriamente dinheiro nem futuro".
Pois enganei-me!
Numa licenciatura cheia de Constanças, Carminhos e João Maria, entendi que o Serviço Social é tido como uma profissão "de bem" para moças casadoiras que ajudam os pobrezinhos.
Quando foi necessário decidir estágios, ouvi mais colegas do que aqueles que seriam expectaveis afirmar coisas como "Oh professor, veja lá que eu com sem abrigos não quero! Cheiram muito mal, é um horror!". Ou "Drogados!! Que nojo!". Ou "Mães carenciadas e questões de aborto? O meu Deus não apoia"... And go one, go one...
Surpreendeu-me ver o gosto que 90% dos meus colegas tinha pelo trabalho de Gabinete. Ou seja, malta que preenche papeis do RSI, entre outros, num gabinete, com ar condicionado, apresentando-se como Doutor /a Tal, olhando os utentes com cara de asco.

Agora que já estamos no mundo real, que por vezes calha-me articular casos com instituições onde encontro antigos colegas, a desilusão é maior. Trabalham estilo "Chapa 5". Ou seja. fazem aquilo para que lhes pagam. Preencher papéis e chegando à sua hora dizer "Ah acabou de ser despejado e está na rua com 5 crianças? Pois, mas sabe que já fechamos, volte amanhã". 

EU NÃO CONSIGO!!
Eu não faço isto por dinheiro, nem por Deus nem por estatuto.
E não consigo entender este tipo de "profissionais".
Eu tenho 2 part times, sendo um deles relacionado com a Deficiencia.
Cabe-me coordenar um transporte adaptado e hoje, quando fiz as contas e vi quanto é que uma Mãe nos deveria pagar para levar diariamente o seu filho com Incapacidade de casa à escola, a mesma disse-me, perante uma quantia que me pareceu minima (cerca de 50€) que não poderia aceder a este serviço, pois está desempregada, com 3 filhos (dois deles com deficiencia) e uma ordem de despejo para Dezembro.
Fiquei sem reação... e a minha chefe e colegas imediatamente avançaram dizendo "Pois, então não há dinheiro, não há carrinha. Boa sorte!".
Fiquei perplexa... 
O que fiz? Liguei para a Câmara, para a Junta de Freguesia, expliquei o caso, pressionei, exigi... e sexta-feira esta senhora será recebida por quem de direito para se tramitar a respectiva resposta social.
Dizem as minhas colegas que fiz mais do que me compete.
Não... fui humana e fiz aquilo para que estudei.

O mesmo no meu outro emprego, onde há 2 semanas às 19h me apareceu uma mulher transexual e emigrante, que não falava uma palavra de português, vitima de tráfico humano a pedir ajuda. Eu estava de saída, eram 19h.
O que fiz?
Ligar à polícia, ir à esquadra, activar a linha de Emergência Social, procurar um abrigo... e chegar a casa às 2h da manhã.

Não me pagam mais por isto. Mas de outra forma não saberia ser Eu.

2 comentários:

  1. Encontramos muito poucas pessoas como tu por ai... Mas fizeste o melhor que podias... Ainda ontem comentei com a minha cunhada sobre algo do género... Disse-lhe que infelizmente apesar de haver profissões iguais nem todos a desempenham da mesma forma, e aqui estas tu a relatar que é mesmo assim... infelizmente.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ah sem dúvida! Até num call center! A noção de empenho, empatia, simpatia... nunca são iguais entre 2 funcionários.

      Eliminar